quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

 
      A DÁDIVA
 
Quase trinta anos depois: e os pássaros habitam o coração...
Que o suor, o suor doce continua a escorrer nas faces enegrecidas do pó, da ferrugem, do óleo.
Que este poder desumano que agora desgoverna a nossa vida, apesar de tudo, ainda não conseguiu alienar completamente o - Orgulho Operário - o prazer de com o suor do rosto o homem lavrar o seu próprio pão, o orgulho de com o seu suor, o suor do seu corpo semear o corpo coletivo, ser parte da dinâmica criativa e afetiva do mundo, da comunidade.
De a poesia, com a sua humildade, a sua verdade humana, no mais recôndito, na solidão e silencio, enquanto bate o coração do mundo, habitar no coração proletário, procurar as palavras do seu sangue, e, oferecê-las.
Ser com elas.
Esta a dádiva.


     ***

o mundo é tão grande     e ali
todos os dias    era uma ressurreição     uma aleluia
o ar era habitado
a água     o riso da frescura

lá fora as árvores acenavam
e os rostos passavam como se voassem


        ***

entre os relâmpagos do maçarico acetilene
o ferro fendia

e soprávamos      e o fumo fugia
e depois como se fosse à noite
como se a janela do quarto estivesse fechada
e de manhã fosse aberta
o sol dentro da oficina
o sol a entrar
e o ferro a luzir

o mundo a sorrir


     ***

na tarde no brilho do dia alto
olhavas os horizontes

um ramo de árvore acenava
e a frescura do verde entrava e abraçava os corpos
suados
as ferramentas falavam    suspiravam   tinham coração

ali era uma horta e uma casa com a mesa posta


                  ***

a lágrima

o ferro      as mãos     os pássaros ocultos no coração

(inéditos)

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