A DÁDIVA
Quase trinta anos depois: e os pássaros habitam o coração...
Que o suor, o suor doce continua a escorrer nas faces enegrecidas do pó, da ferrugem, do óleo.
Que este poder desumano que agora desgoverna a nossa vida, apesar de tudo, ainda não conseguiu alienar completamente o - Orgulho Operário - o prazer de com o suor do rosto o homem lavrar o seu próprio pão, o orgulho de com o seu suor, o suor do seu corpo semear o corpo coletivo, ser parte da dinâmica criativa e afetiva do mundo, da comunidade.
De a poesia, com a sua humildade, a sua verdade humana, no mais recôndito, na solidão e silencio, enquanto bate o coração do mundo, habitar no coração proletário, procurar as palavras do seu sangue, e, oferecê-las.
Ser com elas.
Esta a dádiva.
***
o mundo é tão grande e ali
todos os dias era uma ressurreição uma aleluia
o ar era habitado
a água o riso da frescura
lá fora as árvores acenavam
e os rostos passavam como se voassem
***
entre os relâmpagos do maçarico acetilene
o ferro fendia
e soprávamos e o fumo fugia
e depois como se fosse à noite
como se a janela do quarto estivesse fechada
e de manhã fosse aberta
o sol dentro da oficina
o sol a entrar
e o ferro a luzir
o mundo a sorrir
***
na tarde no brilho do dia alto
olhavas os horizontes
um ramo de árvore acenava
e a frescura do verde entrava e abraçava os corpos
suados
as ferramentas falavam suspiravam tinham coração
ali era uma horta e uma casa com a mesa posta
***
a lágrima
o ferro as mãos os pássaros ocultos no coração
(inéditos)
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