domingo, 19 de janeiro de 2014


SOMOS OS CONDENADOS POR ESTE TEMPO NEOLIBERAL FASCISTA

 
Penumbra, vivemos num país de penumbra, vivemos num país de anoitecer, de sombras, gente escondida pela vergonha e pelo desanimo.
Todas as pessoas estão sós: estão sós porque estão desempregadas, estão sós porque estão com fome, estão sós porque são ninguém.
Penumbra, este país é um poço de desolação, e, nós, os que vivemos na sombra de nós mesmos, olhamos ao redor, olhamos no silêncio o mar de vazio à nossa volta.
Somos os condenados por este tempo do chamado neoliberalismo: capital sem rosto, fascismo disfarçado, desumanidade...
Arrastamo-nos junto às paredes de ruelas estreitas e desabitadas.
Somos os escorraçados da terra!

OS QUE SÃO NINGUÉM

e será que nós
os que são ninguém     porque ninguém nos procura
temos um rosto

porque não sorrimos
porque não olhamos
as ruas são tão compridas
tão longos   e    longos os dias
tão iguais

cercados
pela solidão do mundo
tudo passa longe

o afeto
é um sonho
a dignidade uma luta

e somos vencidos

vencidos

um dia à beira dos passeios
caídos

o desemprego    a solidão
e passa gente e diz - estas coisas aqui devia de ser
proibido


LABAREDAS NAS ESQUINAS

olha      os montes de miséria escondida
pelo silencio

estão encarcerados num mar de vergonha
são desempregados
velhos    falidos
cegos olham
o deserto em que se transformou o mundo
à sua volta
e depois
na desolação desaparecem

por isso
o governo os ministros dizem que não existem
e eles assim são ninguém

e passam na noite labaredas nas esquinas
a incendiarem o tempo cinzento que vivemos

como se morrêssemos


  DESEMPREGADO

e chega a manhã
e vais ao frigorifico
«que vou fazer para o almoço
ainda tenho arroz»

e pensas - um pouco de arroz
hoje
amanhã massa
e contas o dinheiro
talvez ainda chegue até ao fim do mês

o correio bate-te à porta
entrega-te a carta com a conta da luz
tu olhas
amargurado
a tua mulher chega e pergunta-te o que tens

não dizes nada
a linha do comboio é uma tentação

mas continuas à procura de emprego


UM SOPRO DE ALENTO

mas até os sonhos nos roubaram

olhamos à volta   miséria    miséria
ao lado da ostentação indiferente
e temos a tentação de baixar os braços
de nos deixarmos ir na corrente

os pobres    os despedidos    sombras    sombras
junto às paredes

e depois os ricos    um pacote de leite
para os excluídos    e sorrindo estendem as mãos
limpas e cuidadas

e dormes    e dormes

mas na manifestação consegues um sopro de alento

tantos e tantos milhares
caminhando unidos    um mar humano

e então voltas à casa solitária bebendo a esperança

(do livro Corpo de Compromisso)

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