SOMOS OS CONDENADOS POR ESTE TEMPO NEOLIBERAL FASCISTA
Penumbra, vivemos num país de penumbra, vivemos num país de anoitecer, de sombras, gente escondida pela vergonha e pelo desanimo.
Todas as pessoas estão sós: estão sós porque estão desempregadas, estão sós porque estão com fome, estão sós porque são ninguém.
Penumbra, este país é um poço de desolação, e, nós, os que vivemos na sombra de nós mesmos, olhamos ao redor, olhamos no silêncio o mar de vazio à nossa volta.
Somos os condenados por este tempo do chamado neoliberalismo: capital sem rosto, fascismo disfarçado, desumanidade...
Arrastamo-nos junto às paredes de ruelas estreitas e desabitadas.
Somos os escorraçados da terra!
OS QUE SÃO NINGUÉM
e será que nós
os que são ninguém porque ninguém nos procura
temos um rosto
porque não sorrimos
porque não olhamos
as ruas são tão compridas
tão longos e longos os dias
tão iguais
cercados
pela solidão do mundo
tudo passa longe
o afeto
é um sonho
a dignidade uma luta
e somos vencidos
vencidos
um dia à beira dos passeios
caídos
o desemprego a solidão
e passa gente e diz - estas coisas aqui devia de ser
proibido
LABAREDAS NAS ESQUINAS
olha os montes de miséria escondida
pelo silencio
estão encarcerados num mar de vergonha
são desempregados
velhos falidos
cegos olham
o deserto em que se transformou o mundo
à sua volta
e depois
na desolação desaparecem
por isso
o governo os ministros dizem que não existem
e eles assim são ninguém
e passam na noite labaredas nas esquinas
a incendiarem o tempo cinzento que vivemos
como se morrêssemos
DESEMPREGADO
e chega a manhã
e vais ao frigorifico
«que vou fazer para o almoço
ainda tenho arroz»
e pensas - um pouco de arroz
hoje
amanhã massa
e contas o dinheiro
talvez ainda chegue até ao fim do mês
o correio bate-te à porta
entrega-te a carta com a conta da luz
tu olhas
amargurado
a tua mulher chega e pergunta-te o que tens
não dizes nada
a linha do comboio é uma tentação
mas continuas à procura de emprego
UM SOPRO DE ALENTO
mas até os sonhos nos roubaram
olhamos à volta miséria miséria
ao lado da ostentação indiferente
e temos a tentação de baixar os braços
de nos deixarmos ir na corrente
os pobres os despedidos sombras sombras
junto às paredes
e depois os ricos um pacote de leite
para os excluídos e sorrindo estendem as mãos
limpas e cuidadas
e dormes e dormes
mas na manifestação consegues um sopro de alento
tantos e tantos milhares
caminhando unidos um mar humano
e então voltas à casa solitária bebendo a esperança
(do livro Corpo de Compromisso)
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