Sente a ameaça, sente o desespero de tantas almas infernizadas: o escuro das suas vidas: cercados, cercados!
Convoca as palavras, que a poesia seja um grande coração de toda a gente, e, as palavras que brilhem no alto do céu e sejam reivindicação, luta, fraternidade, abraço, beijo, filho, mãe, irmão. As palavras transportadas pela multidão, as palavras nas bocas indignadas e na esperança das respirações agitadas.
As palavras: gaiola aberta para se ser livre, punho fechado erguido para resistir, as palavras flor, assunção.
Cada vez a multidão é maior, de todos os pontos da cidade vem gente: de rostos enrugados, curvados do trabalho, curtidos do vento e da chuva e do frio, trazem com eles filhos e netos.
Os mais velhos olham os semblantes jovens e riem rejuvenescidos.
E todos, lentamente, caminham, orgulhosos e decididos.
Trazem bandeiras, trazem a determinação do sacrifício. E gritam: pão, trabalho, confraternização.
***
dai o pão
das mãos doídas e vazias
dai-o
que a terra é uma garganta
aberta sem cantar
à espera
da alegria
aprumada à esquina das casas
***
não és fantasma da noite passos ignorados
onde mora a solidão
mas quem sabe falar com as estrelas
e contar as horas
enquanto bate e canta raízes da terra
o coração sangue ardente
em sua condição de subterrâneo rio
e alimentação para as madrugadas
***
eu sei e digo amanhã é domingo
como se assim a ordem do mundo
tivesse algum sentido
o único sentido
é eu olhar o rosto amado olhar
e sentir-me renascido
ou então ferir-me a lutar
e pensar - o sangue derramado
é a semente semeada da liberdade
nascida todos os dias no homem vivo
depois eu sei só na noite
escrevo e peço à poesia que me ajude
amanhã
***
resiste resiste
irmão do
mundo
e lembra-te
em tantos lugares da terra
o sangue escreve a palavra liberdade
(inéditos)