quinta-feira, 26 de dezembro de 2013


                      NA ESCURIDÃO  CAVAVAM A LUZ

Eram fantasmas na noite, eram luzes vagabundas apagadas.
Na escuridão escondiam-se, escondiam-se, confundiam-se com o escuro...
Na escuridão cavavam a luz, cavavam o tempo para a liberdade.
Por isso eram corações que voavam, na planície o seu silêncio era um alarido
Andavam rentes às paredes nas noites.
Desapareciam.
E de repente revelaram-se, libertos os seus rostos das trevas, o entusiasmo, todos cantavam, todos se abraçavam.
O mundo renascia, o mundo que nas árvores acordava e se paria.
E eram estradas largas, eram campos, campos...


                   ***

descia a noite no veludo do céu
sentado no largo tronco do sobreiro caído
olhava o rosário das estrelas que longínquas
se abeiravam à janela do escuro
uma luz ao longe se acendia
um cão por detrás dos muros ladrava
uma vizinha chegava à porta e chamava

a mesa estava posta
o pão branco cortado às fatias
a luz do candeeiro

e o coração em paz
adormecendo


    ***

o rancho voltava do campo
e tu pai à porta da padaria
sorrias
eles diziam  -  boa noite
amanhã queremos o taleigo
aviado - e perdiam-se ao fundo
da rua
na hora que caia

depois era o silêncio
a noite
o pão que fermentava


      ***

a massa fermentada do pão
luzia no coração da noite
e tu pai de avental branco
tecias o abrir das rosas com os teus olhos

o abrir das rosas o doce da fome onde eu crescia
e sorria a água dos meus dias


       ***

ó vagabundo     não digas nada
às estrelas
sonha
e demora o sol
no outro lado do mundo

nessa cama de pedras e escuro
és rei


          ***

ressurge a aurora
ainda o escuro entretece seus dedos de sombra

uma luz se acende na casa repousada
uma voz ecoa

daí a instantes
de alforge ao ombro
o ganhão

acende o sol
e inclinado beija o trigo da sua água


     ***

as árvores crescidas
no alto a lua era uma lágrima
os ganhões as ceifeiras
os pastores
na casa
a fadiga recolhida

sonhavam
as searas
repartidas

e a noite lá fora atravessada
por corações voando no segredo


        ***

deixa o coração na planície

deixa-o
tão largo é o ondear das searas
e como soa terno o canto da rola
claro o despertar do melro

ganhão
almocreve
ceifeiro
o pão está semeado
maduro ao sol

logo mais tarde quando for ceifado
há-de beber sôfrego o alento
da tua água

da tua boca


     ***

a noite está pousada
a ave no seu ninho recolhida

quem vem lá
uma ovelha tresmalhada
um vagabundo
uma alma penada

noite deixa no escuro
esse coração
tecer o ouro do seu trigo

um outro sol

que aqueça o frio
do corpo coletivo

( do livro Um Sol Dentro de Casa)

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